O excesso de leis na área (que não são cumpridas) e maior participação do segmento para cobrar seus direitos foram os principais tópicos debatidos pela reunião pública da Frente Parlamentar de Apoio à Inclusão, à Acessibilidade e Cidadania das Pessoas com Deficiência. O evento foi realizado nesta quinta-feira (26) na Assembleia Legislativa (Ales).
Sergio Majeski (PSDB), proponente da iniciativa, explicou que o objetivo era escutar os participantes. “É importante ouvir o que as pessoas têm para dizer porque as políticas públicas só podem ser direcionadas a partir daqueles que são os mais interessados. (...) Quem vive o cotidiano é que tem a maior autoridade para dizer quais são as necessidades”, frisou.
Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Cariacica, Jaciana de Jesus Gonçalves, considerou a audiência importante para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência e confessou que esperava mais adesão do público. “Nossa maior dificuldade (é) a participação da pessoa com deficiência e das famílias nessa luta de direitos”.
A presidente do Instituto Braille do Espírito Santo, Elizabeth Mutz, concordou. “Compartilho com a colega, nosso desafio é o mesmo, trazer as pessoas com deficiência para esses eventos para que elas possam conhecer mais sobre seus direitos”, avaliou.
Excesso de leis
Majeski questionou o excesso de leis existentes no Brasil, mas que em grande parte não serve para “absolutamente nada” e fez uma correlação. Em sua opinião, a maioria da legislação para os deficientes não é colocada em prática. “A lei escrita uma vez aprovada ela é letra morta se não se encontrar formas de fazer essa lei ser executada”, afirmou.
O parlamentar considerou que a falta de empenho do poder público é um dos motivos para isso.
“Temos um arcabouço legal gigantesco no Brasil, mas que não se cumpre por falta de vontade política de se cumprir”, destacou.
A presidente a Associação dos Amigos dos Autistas do Espírito Santo (Amaes), Edirlene Donato Del Pupo, disse que a luta da entidade começou quando mães de autistas perceberam que as leis não atendiam às necessidades. “Em termos de lei para os autistas nós estamos até bem, o que nós precisamos agora é de realmente, efetivar essas leis, garantir esses direitos”.
Para ela, fazer valer essa garantia passa pela cobrança dos direitos. “A luta pelos direitos é realmente uma luta árdua. Muitas pessoas às vezes acham que podem deixar para outras pessoas fazerem, e essas outras pessoas somos nós. É uma questão de nós estarmos cobrando, onde pode ser melhorado, e também de estarmos assumindo o papel de agentes fiscalizadores”, salientou.
A presidente da Apae de Santa Maria de Jetibá, Dona Sabrina Joana, reiterou que leis existem aos montes, mas nem tudo é respeitado, principalmente quando se fala na minoria.
Sociedade homogênea
O coordenador Estadual de Direitos Humanos, Júlio Pompeu, analisou que antigamente havia uma ideia de que a sociedade era mais forte se todos fossem iguais. “Fomos acostumados com a ideia, um modelo antigo de organização social, em que sociedade tem que ser homogênea, que as pessoas têm que ser iguais, o projeto de educação inteiro foi criado assim, para tornar todos iguais”.
Segundo ele, foi a partir desse modelo de sociedade que “nós construímos” essa lógica de organização, de políticas públicas e de funcionamento do Estado “em que a diferença não tem vez”. Citando um exemplo, disse que dificilmente será preciso lembrar para quem planeja construir uma escola que é necessário adquirir quadro branco e cadeira.
Ele continuou: “pela lógica de funcionamento da escola isso é uma obviedade tamanha que você não precisa dizer. (...) Agora, dizer que é necessário que existam nos quadros da escola cuidadores, para pessoas que precisam de necessidades especiais, aí é a diferença”, comparou.
Microfone aberto
Os participantes da audiência pública puderam usar o tempo de três minutos para questionar, elogiar, criticar ou sugerir mudanças. Confira alguns depoimentos.
- Evandro Meireles, do Movimento Capixaba de Combate ao Glaucoma: defendeu um “endereço” que reúna todas as reivindicações e ações voltadas para o segmento. Sugeriu a criação de uma secretaria da Pessoa com Deficiência. “Não dá para falar de política pública de vanguarda se nós não tivermos um endereço”, considerou.
- José Olympio Rangel Barreto, representante do Movimento Organizado de Valorização da Acessibilidade (Mova): reiterou que colocar a legislação da área em prática “depende de nós, pessoas com deficiência” e lembrou que as violações a tais direitos devem ser informadas às autoridades. “Isso é dever de todos que estão aqui”.
- Reinaldo Tomé, do Instituto Braille: com mais de 30 anos na luta, lembrou que “a acessibilidade deve começar dentro da nossa casa”. De acordo com ele, a ausência de um censo que indique o número de pessoas com deficiência dificulta a implantação de políticas públicas na área. “O poder público também está deixando de cumprir com suas obrigações”, analisou.
- Luciano Ferreira das Neves, secretário da Apae da Serra: segundo ele, a questão da habilitação e reabilitação é um problema no Espírito Santo, pois o Centro de Reabilitação Física do ES (Crefes), em Vila Velha, está defasado. Ele cobrou a construção de uma unidade similar na Serra, que atenderia mais de 93 mil pessoas com deficiência residentes no município.
- Carlos Eduardo Soares de Barros, professor de Língua Brasileira de Sinais (Libras): por meio de uma intérprete, destacou que faltam esses profissionais para atender os surdos em locais habitualmente frequentados por eles. Além disso, cobrou escolas bilíngues que ensinem Libras (que é primeira língua dos surdos) e português (considerada a segunda língua).
Toda a audiência pública contou com a interpretação de uma intérprete de Libras.
Texto Marcos Bonn/Web Ales
Fotografia Reinaldo Carvalho/Comunicação Ales